Em tempos de conflito armado — José Vicente de Azevedo e a Revolução de 1924

Museu Vicente de Azevedo
3 min readMar 30, 2022

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Série — A ética de Jose Vicente de Azevedo

Em tempos de conflito armado

Em 05 de julho de 1924 inicia-se um levante dentro do exército sob o comando do General Isidoro Dias Lopes. Esse levante toma os quartéis da força pública da nossa cidade e outros edifícios.

Na madrugada do dia 9, depois de quatro dias de intensa luta, as forças legalistas se retiram da capital paulista e os rebeldes assumem o controle da cidade. A cidade de São Paulo fica então submetida a intenso bombardeio dos legalistas, que atinge duramente a população civil.

Na Avenida Nazaré, na calçada de onde é hoje o Museu Vicente de Azevedo, trincheiras se abrem, abrigando soldados legalistas, se estendendo desde lá de baixo da Avenida Nazaré até a porta do edifício. Na Vila Mariana, revoltosos e legalistas trocam tiros.

Em 1924, o Museu Vicente de Azevedo era então o Asilo Nossa Senhora Auxiliadora do Ipiranga, abrigando dezenas de meninas órfãs e desamparadas. Em meio ao caos do conflito, essas meninas correm sérios riscos. A qualquer momento, combate poderia estourar nas imediações do edifício, podendo até mesmo ser atingido pela artilharia. Reabastecer o Asilo com necessidades básicas se torna, de repente, muito difícil; linhas férreas estavam bloqueadas pelos revoltosos e armazéns, sendo saqueados.

Em meio a tudo isso, pode-se dizer que José Vicente de Azevedo não hesitou em pôr em riscou a própria vida em defesa das meninas do Asilo que havia fundado, e cujas órfãs considerava como filhas adotivas. Preocupado em garantir o bem-estar delas, José, já com 65 anos, sai de sua casa para ir ao Ipiranga. Depois de conversar com os revoltosos, de uma parte, e com o comandante das forças legalistas, de outra, atravessa a pé as linhas de combate, em direção ao Asilo.

Horas mais tarde, sem notícias suas, a família começa a se preocupar. Segue, nas palavras de sua filha Maria Carmelita Vicente de Azevedo Barbosa de Oliveira a aventura que viveu ao atravessar São Paulo para procurar o pai em meio ao levante militar:

Lembro que eu e Paulo fomos naquela noite, num carro “fordinho” saber de meu pai e de meu marido Zezé (José Luiz Barbosa de Oliveira) que naquela manhã tinham seguido para o Ipiranga e não haviam notícias deles. Na volta à cidade Zezé foi à pé do Ipiranga pela V. Mariana e nós voltamos de carro levando um ferido, como pretexto para nos deixarem passar. Erramos o caminho; peguei no volante sem nunca ter guiado, para fazermos o retorno; Paulo e o moço que guiava empurrando à mão o carro — Para resumir: quando chegamos em casa na Barão de Limeira (residência da família no bairro de Campos Elíseos) eram 2h da madrugada — Todos estavam aflitíssimos com nossa temeridade. Levamos o ferido para a Santa Casa. Papai ficara no Internato N. Sra. Auxiliadora. No dia seguinte, acompanhado por D. Leonor de Campos Salles (Diretora do Asilo) entregaram as meninas às suas famílias

A história não terminou aí. Acredita-se que algumas órfãs não puderam ser entregues a suas famílias e tiveram que ser evacuadas. Como fazer isso, tendo em vista que São Paulo havia se transformado em um campo de batalha?

Segue outro depoimento, desta vez da outra filha de José Vicente, Maria Angelina Vicente de Azevedo Franceschini:

Assim foi que no dia seguinte, sempre a pé, os raros transeuntes das estradas e vias que ligavam o Ipiranga à Vila Mariana deparam com o quadro inesquecível: um senhor já de idade com uma bandeira branca nas mãos, segue à frente de algumas dezenas de meninas, acompanhadas pelas professoras e pela então diretora, Dona Leonor de Campos Salles, avançava penosamente. Levava-as a um seguro abrigo no Colégio Nossa Senhora do Sion, do outro lado da cidade em Higienópolis. A caminhada teria sido demasiadamente longa, se não fossem muito maiores a coragem e a dedicação daquele apóstolo da caridade. ”

A bandeira preservada no Museu Vicente de Azevedo é uma lembrança desses dias terríveis vividos pela população de São Paulo. Foi fornecida pela CRUZ VERMELHA a D. Maria Carmelita durante a passagem do seu carro pela cidade em busca de notícias do pai, em plena revolução de 1924

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Museu Vicente de Azevedo

O MVA é um espaço mantido pela FUNSAI para divulgação, reflexão e preservação da história da família Vicente de Azevedo, sua obra social em especial no Ipiranga